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Espiritualidade do Coração

Após os ventos novos que o Espírito suscitou em toda a Igreja, com o Concílio Ecumênico Vaticano II, também a Família Chevalier buscou, à luz de suas origens carismáticas e das novidades que a teologia buscava apresentar, sobretudo no campo bíblico e patrístico, rever a riqueza da espiritualidade do coração e ampliar seu conceito, que bebe na devoção clássica ao Coração de Jesus. Segundo Lescrauwaet, MSC, “a palavra “coração” deve ser tomada no “sentido bíblico do termo: coração de Deus e coração do homem”. De fato, em nosso tempo, a linguagem simbólica da Bíblia é provavelmente mais apta para alimentar nossa espiritualidade do que a dos tratados sobre a devoção ao Sagrado Coração, escritos nos séculos passados. […] Para o Pe. Chevalier, o importante era o nosso encontro com o mistério de amor de Deus no Cristo, mediante o “Sagrado Coração, no plano divino”, para que nossa vida se torne, nesse mistério de amor, iluminada, motivada e transformada. Por isso falamos de uma espiritualidade e não de uma prática particular de devoção”.

Segundo Dom J. F. Lescrauwaet, MSC, bispo auxiliar de Haarlem, Holanda, e professor de Teologia na Universidade de Louvain, Bélgica, “podemos definir sua espiritualidade (do Pe. Chevalier) como uma espiritualidade do coração, pois estava, a um tempo, voltada para dentro dele e para os outros. […] Sua espiritualidade era uma espiritualidade do coração, porque acreditava, com toda força de sua alma, no poder do amor. Se lhe houvessem perguntado qual seria sua última esperança, em relação ao mundo, à Igreja e a si mesmo, sem dúvida, teria respondido o que já havia dito, com convicção: o amor é mais forte! De fato, foi nesse clima que um dia escrevera: “O Sagrado Coração, eis tudo, a última palavra! É para Jesus que tudo converge: ‘Eu sou o princípio e o fim’, e em Jesus, tudo converge para o Coração.” (Julio Chevalier, Le Sacré Coeur de Jésus, Paris, 1900, p. 76).

Essa herança, se prolongou no tempo pelo que viria a ser a espiritualidade, o carisma e a missão da Família Chevalier, agregando leigos e leigas, religiosas, religiosos, sacerdotes e bispos, espalhados por todo o mundo. Mas, o que há de característico na maneira da Família Chevalier perceber e viver a Espiritualidade do Coração hoje, já que ela também é vivida por outros grupos dentro da Igreja?

Cuskelly esclarece que a expressão espiritualidade do coração, indica que “temos que nos interiorizar profundamente, a fim de constatar nossas íntimas necessidades pessoais de vida, de amor e do genuíno sentido das coisas; através da fé e da reflexão, temos que encontrar no Coração de Cristo a respostas às nossas próprias interrogações, ou seja, nas profundezas de sua personalidade, lá onde o desejo do homem e a honestidade de Deus se fundem numa encarnação redentora; assim, modelados por essas forças, nosso próprio coração será um coração compreensivo, sempre aberto, vibrando e se entregando a nossos irmãos em Cristo; e não nos “des-coraçãozaremos” ou desanimaremos diante das dificuldades. Como nos recorda o Vaticano II, somos seguidores de Cristo, aquele que “amou com um coração humano”.

É interessante perceber um detalhe que poderia passar despercebido, mas que Kawkman, refletindo o texto acima, faz notar. Ele diz que “Cuskelly não usa a expressão “Espiritualidade do Coração de Jesus”, mas Espiritualidade do Coração”, em que “Coração” se refere tanto ao Coração de Jesus como também ao nosso próprio. A verdade é que a expressão “Espiritualidade do Coração”, como a entendia Cuskelly, indica mais claramente que, para Chevalier, “a conversão do coração” era um elemento essencial do seu carisma. Para os que querem viver a Espiritualidade do Coração é tão necessária a conversão do coração, como o foi para Chevalier”.

Certamente, a Espiritualidade do Coração, compreendida aqui sob a ótica do carisma da Família Chevalier, tem seu lugar seguro de expressão nos dias atuais. Para tanto, deve buscar a fidelidade criativa, levando-se em conta alguns aspectos, que a torna crível: “possuir uma experiência do amor terno, compassivo e misericordioso de Deus; assumir o valor e a fortaleza de Cristo, como vivência de seu amor que se entrega sem limites; ter consciência de que a fidelidade e a constância de Cristo que ama com amor eterno, se manifesta como o Bom Pastor, exige uma resposta parecida; estar atentos à vontade do Pai, para realizar “em obediência e caridade fraterna” seu plano salvífico e libertador; preocupar-se com os outros, especialmente com os mais pobres e necessitados; adentrar plenamente na dinâmica do amor, aprendendo a morrer ao eu para sobrepor ao que é do outro, ao que é de Deus, ao que é do irmão e ao que é do inimigo, ao que é do necessitado e ao que é do excluído, acima do nosso eu, do nosso interesse, da nossa comodidade.”

É claro, deve buscar a constante abertura dos sinais da ação do Espírito, que mostrará à luz da Espiritualidade do Coração, novas formas para propor “remédio aos males de hoje”, segundo a expressão do Padre Chevalier. Contudo, essa mudança que buscamos e esperamos, começa a partir de dentro, deste caminho que empreendemos para o formar o nosso coração e seguirá a partir dele. É esta confiança que nos motiva, “pois o mesmo Espírito que formou o Coração de Jesus está atuando em nosso coração, para reproduzir nele o perfil do Coração de Jesus.”

Pe. Lucemir Alves Ribeiro, MSC (O Caminho do Coração).

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