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Artigos › 01/10/2021

“Ser o Coração de Deus, no coração da Amazônia Brasileira”

Caros leitores do Site MSC, é uma grande alegria para mim, partilhar, com vocês sobre a Missão dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus, na região amazônica, no Estado do Amazonas, diocese de São Gabriel da Cachoeira.

Sou Luís Carlos Araújo Moraes, Missionário do Sagrado Coração Jesus. Tenho 51 anos de idade, 28 anos de Vida Religiosa e 24 anos de Ordenação Sacerdotal. No meu percurso como Religioso e Padre, dediquei-me por 18 anos à formação de novos Missionários do Sagrado Coração e 6 anos à Administração Geral de minha Congregação Religiosa, na função de Secretário Geral. E, agora, desde Fevereiro deste ano, me encontro na missão da Região Norte do Brasil, no coração da Amazônia.

Para falar desta missão dos MSC, é preciso voltar o olhar para Issoudun, França, para o grande e ousado Sonho do nosso fundador, Padre Júlio Chevalier, de fazer amado e conhecido o Coração de Jesus, em toda parte. Aí estão as raízes e a chama, que devem nos motivar sempre, em nossa atuação missionária. Padre Júlio Chevalier, não partilhou conosco um ideal teórico, mas um modo de viver, um estilo de vida, a partir do Amor sem limites de Deus, expresso nos gestos, palavras e ações de Jesus, em favor do ser humano, nas suas mais diversas realidades e situações de vida. O lema de nossa Família Religiosa Missionária, “Amado seja por toda parte o Sagrado Coração de Jesus”, não expressa apenas um desejo de expansão geográfica, mas, acima de tudo, um desejo de comunicar a todo ser humano, em toda parte, o amor sem limites de Deus, derramado do Coração de Jesus, que alcança todas as pessoas, sem distinção de raça, cor, sexo, cultura, religião ou condição social. Amar o próximo sem limites e sem fronteiras, em qualquer lugar, eis o que Jesus viveu e ensinou, eis o sonho do nosso fundador, Padre Júlio Chevalier, para todos os Missionários do Sagrado Coração de Jesus.

O Brasil é um país imenso, quase um continente, com uma extensão geográfica de 8.515.767,049 Km² e uma população atual, com mais de 200 milhões de habitantes, distribuída em 5.570 municípios. Com esses dados, podemos imaginar, os grandes desafios que qualquer missionário enfrenta para atender à população.  Nem sempre, nós brasileiros temos consciência da imensidão de nosso país e da complexidade de suas realidades, em cada região.

Os Missionários do Sagrado Coração de Jesus, em toda parte, desenvolvem sua missão, atuando, especialmente em Paróquias da periferia das grandes cidades, porém, não se limitam apenas em ministrar os sacramentos e acompanhar as pastorais tradicionais, mas, vão além, mostrando-se sempre atentos e sensíveis às necessidades humanas das pessoas, especialmente dos mais pobres, fazendo surgir os mais diversos serviços humanitários: escolas; cuidado da saúde dos mais pobres; atendimento à criança e ao adolescente abandonados ou em situação de risco; atendimento a pessoas com dependência química; atendimento psicológico, serviço de solidariedade aos que passam fome, apoio a instituições que trabalham com moradores de rua, etc. Todas essas atividades, em favor da qualidade de vida das pessoas ao nosso redor, são exercidas, em parceria com os leigos e profissionais das mais diversas áreas.

Movidos pelo desejo de ser presença do Coração humano e misericordioso de Deus, em toda parte, os Missionários do Sagrado Coração de Jesus, da Província de São Paulo, aventuraram-se, a “avançar para águas mais profundas”, assumindo uma grande missão, na região norte do país, Estado do Amazonas, no coração da Floresta Amazônica Brasileira, no ano de 1998, inicialmente, através dos Padres Ivo Trevisol e Carlos Rodrigues e, sucessivamente, outros foram chegando por aqui ao longo dos anos.

A Região Amazônica Brasileira é quase um outro país, com características próprias e bem diferentes das outras regiões do Brasil, exigindo, ainda mais, dos missionários que aqui chegam, um profundo processo de descida, de inculturação, de despojamento, de respeito e acolhida das diversas etnias indígenas e seus idiomas, bem como, da cultura local, o que leva tempo e exige muita paciência e escuta, para poder adentrar e conviver com o diferente, que é desafiador e enriquecedor.

Aqui estamos, frente a uma das mais desafiadoras missões da Igreja do Brasil, na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas. Esta Diocese, possui uma população de 91.148 mil habitantes, com 89,3% de católicos. O território da Diocese é de 294.598 km², distribuído em 3 municípios. Os Missionários do Sagrado Coração de Jesus, trabalham na sede da Diocese, isto é, na Cidade de São Gabriel da Cachoeira. Nesta cidade, nove entre dez habitantes são indígenas, sendo o município com maior predominância de indígenas do Brasil. Em toda a diocese, existem mais de 20 etnias indígenas, com seus idiomas e culturas próprios. Além da língua Portuguesa, existem 4 idiomas indígenas oficiais: Tukano, Baniwa, Nhengatu e Yanomami.  Evangelizar, respeitando toda essa diversidade cultural e linguística é um grandioso desafio!

Outro grande desafio por aqui, são as distâncias geográficas, o que dificulta o atendimento às populações ribeirinhas, que vivem às margens dos grandes rios. Para chegar a essas populações, que ficam bem distantes da sede da missão, o único meio de transporte são as voadeiras. As visitas a essas comunidades não são frequentes, pois os gastos econômicos são altíssimos. É uma verdadeira expedição para chegar às mesmas e, por isso, normalmente, as visitamos 4 vezes ao ano. Vale lembrar, que todas essas comunidades já têm contacto com a cidade. Não existem mais comunidades completamente isoladas da vida urbana. Muitos indígenas ainda falam os idiomas de suas etnias, porém aprendem também a língua portuguesa. São 18 comunidades ribeirinhas. Na cidade, atendemos mais 7 comunidades, portanto, temos um total de 25 comunidades sob os nossos cuidados.

O choque cultural, também é um desafio: como manter as culturas originárias, com suas tradições, costumes e valores, frente à cultura ocidental, vivenciada nas cidades? A tendência, é a perda da própria identidade, para poder se inserir na cultura global. Vale ressaltar, que o processo de evangelização dos povos indígenas, no princípio, proibiu a vivência da cultura local com seus ritos e costumes. Hoje, a Igreja procura resgatar, com muita dificuldade, a cultura dos povos indígenas, que no princípio, foi praticamente destruída por ela mesma.

E, por fim, faltam vocações e mais missionários e missionárias, dispostos a virem atuar nesta região do Brasil. Há poucos padres nativos. A maioria vem de outras regiões do Brasil e aqui permanecem apenas por um período.

Minha experiência pessoal frente a este cenário

Depois de mais de 7 meses nesta missão, estando em contacto com a realidade, meus olhos viram, por um lado, a abundância das maravilhas de Deus, presente na indescritível beleza das florestas e dos rios, que se parecem mais com o oceano, bem como, das diferentes etnias indígenas, que se misturam entre si. Por outro lado, vi sorrisos e olhares tristes, que escondiam profundos sofrimentos; vi miséria e abandono de idosos; vi e continuo vendo homens e mulheres caídos nas esquinas, em consequência do alto índice de alcoolismo, que é um dos males que mais maltrata a população indígena local, destruindo famílias e causando violência doméstica, especialmente contra as mulheres e idosos.

Ouvi também os lamentos das pessoas, que arrancadas de suas vidas genuínas, foram jogadas à própria sorte, fora do seu ambiente nativo, de suas línguas maternas, vivendo, agora, na cidade, reféns de um sistema que as explora e as deixa sem possibilidade de se desenvolverem, pois é cômodo tê-las, como “presas fáceis”, para os investimentos gananciosos, especialmente a venda de bebida alcoólica. Ouvi também relatos de violência e exploração sexual das mulheres, especialmente adolescentes.

Diante de tudo isso, senti tristeza, impotência, indignação, por ver como a mentalidade exploradora e consumista de fora, marginaliza e escraviza, quem tudo tinha e vivia em harmonia com a natureza. Por outro lado, senti e continuo sentindo alegria, de poder entrar em contato com a beleza e a riqueza das etnias, com seus diversos idiomas, suas culturas, seus costumes alimentares e seu jeito simples e desapegado de viver; senti compaixão e misericórdia. Senti um forte apelo à conversão pessoal!

Viver e conviver, nesta realidade, certamente é um privilégio em muitos sentidos, mas, ao mesmo tempo, é uma aventura desafiadora, pois exige entrega, vencendo-se a si mesmo a cada dia, para poder deixar de lado o egoísmo e a proteção pessoal e oferecer o melhor de si mesmo, para o bem dos menos favorecidos do nosso Brasil.

Esta Missão, depois do Sínodo da Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, se tornou ainda mais importante para nós MSC. É um desfio e, ao mesmo tempo, um privilégio, para toda a nossa Congregação Religiosa Missionária, fazer parte do sonho do Papa Francisco para a Amazônia: “Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja escutada e que sua dignidade seja promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e de se encarnar na Amazônia, a tal ponto que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos” (Exortação Apostólica Pós-Sinodal – Querida Amazônia, n. 7). 

Que nós Missionários do Sagrado Coração, possamos ser presença da ternura, da compaixão e da mansidão do Coração de Deus para o povo amazônico!

“Amado seja por toda parte o Sagrado Coração de Jesus, eternamente”!

  1. Luís Carlos Araújo Moraes, mSC

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