Povos indígenas no estado de São Paulo
De acordo com o último censo realizado no Brasil, estima-se que a população indígena no Estado de São Paulo aproxime-se de quarenta e duas mil pessoas (42.000). Desse total, de acordo com dados de 2015 da SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), aproximadamente, cinco mil (5.000) indivíduos vivem em terras indígenas.
Essas terras indígenas estão distribuídas pelo Litoral Sul e Norte, Vale do Ribeira, região metropolitana de São Paulo e pelo oeste do Estado. Há um total de trinta e seis (36) terras indígenas, habitadas por uma população indígena pertencente a diferentes nações indígenas. Predominantemente, identifica-se a presença dos seguintes povos: Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Tupi Guarani, Kaingang, Krenak e Terena. Dessas trinta e seis (36) terras indígenas, 31 possuem algum reconhecimento por parte da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e, pelo menos, cinco (5) terras indígenas aguardam pelo início dos procedimentos de demarcação. É importante ressaltar que todas as terras que estão em algum estágio do procedimento demarcatório, encontram-se, nesse momento, com seus processos parados. A morosidade, por parte do Governo Federal, em dar continuidade aos processos demarcatórios, converteu-se, com o atual governo, numa verdadeira estagnação.
Para além da morosidade nos processos demarcatórios, os povos que vivem em terras indígenas no Estado de São Paulo, enfrentam outras formas de ameaças e pressões que os colocam em situação de vulnerabilidade. Entre essas ameaças, podemos citar: empreendimentos portuários, empreendimentos ferroviários, empreendimentos turísticos, mineração, garimpo ilegal, exploração madeireira, caça e pesca ilegal, especulação imobiliária, entre outras. De acordo com a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, as comunidades indígenas possuem o direito de serem consultadas quando houver o interesse, por parte do Estado brasileiro ou da iniciativa privada, de realizar qualquer empreendimento que afete, direta ou indiretamente os seus territórios. Acobertadas pelo Estado, que é ineficaz no processo de fiscalização, algumas vezes, propositalmente, muitas empresas avançam com seus empreendimentos sobre os territórios indígenas, causando destruição e morte. Isso se converte num verdadeiro processo de etnocídio, pois, não apenas a natureza e os indivíduos indígenas são dizimados, mas, também o seu modo de vida, sua cosmovisão, seus saberes ancestrais, sua organização social, suas espiritualidades.
Além desse contingente indígena, que habita suas respectivas aldeias, nas Terras Indígenas (TI) já mencionadas, não podemos deixar de registrar o número expressivo de indígenas que vivem em contexto urbano. Entre os indígenas em contexto urbano, em São Paulo, há registro de mais de trinta (30) povos. Tais como: pankararu, kaimbé, pankará, fulni-ô, xavante, pankararé, tukano, tariano, cariri xocó, whapichana, munduruku, pataxó, atikum. A capital paulista é a segunda maior capital do país com presença de povos indígenas, perdendo apenas para Manaus, no Estado do Amazonas. Embora o IBGE tenha apontado, no último senso cerca de treze mil (13.000) indígenas na região metropolitana da cidade de São Paulo, dados não oficiais apontam que esse número pode ser bem maior. De acordo com o grupo de estudos Índios na Cidade, todas as trinta e nove (39) cidades que formam a região metropolitana, têm presença indígena, e não de “descendentes indígenas”. É sempre muito complicado falar em números, quando se trata de povos em contexto urbano. A distância entre os dados oficiais e os dados levantados por entidades indigenistas, pode ser atribuída ao tipo de abordagem feita pelo órgão oficial e, também, ao processo de autoreconhecimento ou autoafirmação de cada pessoa.
Grande parte da população indígena em meios urbanos, vivem na periferia e, consequentemente, enfrentam todo tipo de problema e desafios sócio-territoriais que as populações periféricas são obrigadas a enfrentar. Alguns saem de seus territórios e se dirigem aos grandes centros em busca de trabalho, estudo, tratamento de saúde ou por motivos diversos. Apesar de estarem distantes, geograficamente, do seu território de origem, a imensa maioria desses indígenas se mantém conectados aos seus costumes, ritos e modos de vida tradicionais. Buscam se adaptar à dura realidade das grandes cidades, mas sem perder suas raízes. Se organizam por meio de associações, fóruns, coletivos ou nucleações familiares. Carregam consigo, a marca da coletividade e a semente da resistência. Sabem que juntos, reunidos em comunidade, se tornam mais fortes. Por meio de sua organização, buscam políticas públicas afirmativas que garantam uma vida mais digna e que leve em conta os seus modos e costumes, bem como que garanta a sua autodeterminação.
Sabemos que ainda é muito recente a reflexão sobre o direito à cidade para os povos indígenas, mas esse é um debate essencial quando falamos em Direito à Cidade, Planejamento Urbano, Urbanismo. As cidades, cada vez mais, avançam sobre os territórios indígenas. Para além desse processo, os povos indígenas são livres, possuem autonomia e o fato de um indígena decidir morar num grande centro, não o torna menos indígena ou o faz “perder sua cultura”.
Esse discurso pejorativo e repleto de preconceito, é fruto de uma sociedade racista que sempre quis manter os povos indígenas longe, nas florestas, nos rincões do Brasil, ou os deixou sempre no passado da nossa história.
Apesar de tudo, os povos indígenas nos dão muitas lições de como resistir. Há séculos, lutam para continuar existindo. Seguem enfrentando diversas formas de genocídio, e, atualmente, a necropolítica do governo brasileiro, que insiste em não cumprir o seu papel constitucional de fazer valer os direitos dos povos indígenas. Com a promulgação do último texto constitucional em 5 de outubro de 1988, o Brasil se tornou um país pluriétnico, pluricultural e plurinacional. Isso significa que cada povo indígena, deve ser visto e respeitado como uma nação.
Infelizmente, estamos longe de ver o nosso país respeitando a Carta Magna da nossa nação, mas, assim como os povos indígenas, devemos seguir resistindo e disputando as narrativas nos espaços de poder.
Entre as inúmeras reivindicações feitas pelos povos indígenas, três elementos são essenciais para sua sobrevivência: terra, educação e saúde. Lutar pela demarcação dos territórios é essencial. Dentre todas as terras indígenas que existem no Brasil, mais de 60% ainda não foram demarcadas. O Brasil desrespeita a Constituição, quando se nega a concluir os processos de demarcação das terras indígenas. Sem a terra, não há vida. Dela depende todas as demais reinvindicações. Tendo o usufruto de seu território, os diversos povos podem reivindicar a viabilização de uma educação diferenciada, bem como a implementação de um processo de educação escolar indígena. Um processo educacional que leve em conta a língua de cada povo, seus saberes ancestrais, a transmissão do conhecimento pela oralidade, sua cultura, seus ritos, suas festas. A terra garante também a saúde física e espiritual para os povos. Sem poder usufruir dos seus territórios, os povos adoecem, se enfraquecem. Seus corpos carregam outras formas de relação com a natureza, assim sendo, precisam de cuidados especiais. O corpo de um indígena é diferente do corpo de um ocidental. Os indígenas fazem uso de sua medicina tradicional, por isso, é fundamental o direito a um sistema de saúde diferenciado para o atendimento da população indígena. Que leve em conta sua forma de se alimentar, seu modo de vida, sua medicina tradicional, bem como os seus diversos ritos que visam reestabelecer a saúde do corpo e do espírito.
Diante de tantos desafios, não poderíamos deixa de mencionar a maior ameaça para os povos indígenas nesse momento, que é a tese do marco temporal que está na agenda do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento de um caso de repercussão geral. Trata-se do julgamento da Terra Indigena do povo Xokleng. O resultado deste processo será adotado em todos os pedidos de demarcação de terras após 1988. A discussão é sobre a interpretação do artigo 231 da Constituição Federal que garante o direito à terra aos indígenas. O marco temporal seria a interpretação de que a Constituição só garante o direito de demarcação para as terras indígenas que estavam ocupadas em 05 de outubro de 1988 (promulgação da Constituição) rompendo com todo os direitos daqueles povos que foram expulsos de seus territórios ou que tiveram que deixar suas terras para sobrevivência. É um desrespeito e negação da histórica resistência indígena neste país.
No período de pandemia, os indígenas estão com grande dificuldade de subsistência. As fontes de renda da maioria das famílias provém, da venda de artesanato, visitas guiadas à aldeia, palestras em escolas, participação em feiras e eventos, e trabalho informal (construção civil e faxinas). Com a necessidade de isolamento social, todas essas atividades estão paradas desde março de 2020. A realidade de algumas famílias é de não ter renda alguma no momento e necessitar do apoio solidário para se alimentar. A Pastoral Indigenista e a equipe do CIMI realizam campanhas solidárias para entrega de alimentos, kits de higiene e limpeza, máscaras e cobertores às famílias que necessitam. Além disso incentivamos o fortalecimento territorial para que possam produzir, onde é possível, alimentos tradicionais, como milho, feijão, mandioca, abóbora. Também realizamos a construção de galinheiros grandes em quatro (4) aldeias do Vale do Ribeira, entregamos para diversas aldeias ferramentas, sementes e mudas de árvores frutíferas e tradicionais para a medicina destes povos.
As necessidades mais urgentes são alimentos (principalmente frutas e proteínas), aquisição de ferramentas, preparação da terra para plantio, sementes e mudas. Em algumas aldeias pensamos que será necessário realizarmos um trabalho em conjunto com a Pastoral da Criança e Pastoral da Pessoa Idosa para o combate da subnutrição e desnutrição, já que as equipes de saúde da SESAI passam em algumas aldeias apenas uma vez por mês e muitas vezes, sem médicos.
CIMI e Pastoral Indigenista de São Paulo
Dom Manoel Ferreira dos Santos Junior, MSC
Pastoral Indigenista Regional Sul I