POR UMA ECOLOGIA HUMANA E INTEGRAL
De 1° de setembro a quatro de outubro os cristãos são chamados a celebrar o Tempo da Criação, essa foi uma iniciativa do Papa Francisco, que se inspirou na prática da Igreja Oriental, que desde 1989 dedicam o 01 de setembro à Oração pelo Cuidado da Criação. Esse momento se estende até a memoria litúrgica de São Francisco de Assis, que patrono da ecologia. O Tempo da Criação é momento oportuno para refletir e rezar sobre a relação que se tem com a Casa Comum, propondo ações que visem o cuidado e a proteção do planeta. A partir desta proposta é preciso entender que todos são responsáveis “por uma ecologia humana e integral” que é “caminho de salvação da nossa casa comum e dos que nela vivemos” (FRANCISCO, 2024), ou seja, todos são responsáveis pelo cuidado da criação, ainda mais neste período em que a emergência climática nos desafia e chama para ações concretas e eficientes.
O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’ (LS) e documentos recentes, propõe uma Ecologia Integral, isto é, uma forma de pensar e agir que integre as dimensões humanas e sociais, levando em consideração que o cuidado com a natureza, o cuidado com os pobres e os marginalizados, bem como com as futuras gerações estão conglomeradas numa mesma proposta. Assim escreveu o papa na Querida Amazônia (QA) “não serve um conservacionismo que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazônicos” (118), se isso acontece será apenas “ambientalismo” ou “discurso verde”, pois e um pensamento que não tem aplicação social e que desconsidera os dramas de povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e da população que habita em áreas de risco.
A degradação ambiental, denunciada por Francisco na Laudato Si’, e que afeta os mais vulneráveis, isto é, os que são afetados pela desigualdade social, é fruto de um processo colonizador e imperialista, que serviu ao projeto da produção e do progresso e que esteve e está a serviço do capital. É preciso purificar e superar a compreensão de que a Terra e tudo que se encontra nela são recursos que devem ser explorados e transformados em mercadoria. Exemplo disso são a injustiça e o crime que se comentem na Amazônia contra os povos indígenas (também contra ribeirinhos e afrodescendentes em outros lugares e indígenas de outros territórios), pois “o corte de madeira e a indústria mineradora” (QA 9) os expulsa de suas terras e leva à “movimentos migratórios dos indígenas para as periferias das cidades. [Nas cidades] não encontram uma real libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, sujeição e miséria. Nestas cidades caraterizadas por uma grande desigualdade, onde hoje habita a maior parte da população da Amazónia, crescem também a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas” (QA 10).
Diante desse sofrimento, ou seja, da destruição do planeta e da falta de respeito com os povos, o cristão deve se lembrar do compromisso que brota do seguimento de Jesus Cristo e viver uma espiritualidade que seja coerente com as convicções da fé cristã. Neste sentido, o papa Francisco chama atenção para o fato de que a fé não é alienante, mas leva a assumir compromissos diante do sofrimento alheio e a assumir o compromisso de cuidar da Criação, pois “a espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o que nos rodeia” (LS 216).
A grande beleza do Tempo da Criação é a união dos cristãos de várias denominações, irmãos unidos pelo compromisso de cuidar da Casa do Comum, evidenciando assim uma prática ecumênica, pois estão unidos por uma preocupação comum e pela fé na Trindade. Em 2021 a carta para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado Criação foi escrita em conjunto, assinaram o Papa, o Patriarca de Constantinopla e o Primaz Anglicano. Na carta eles afirmaram: “Todos nós — quem quer que seja e onde quer que nos encontremos — podemos desempenhar um papel na modificação da nossa resposta coletiva à ameaça sem precedentes das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Cuidar da criação de Deus é um mandato espiritual, que exige uma resposta de compromisso” (BARTOLOMEU; FRANCISCO; WELBY, 2021).
O Tempo da Criação é momento oportuno para as reflexões acerca da mudança climática, bem como um tempo propício para aquilo que o papa Francisco chamou de conversão ecológica, que contribui para a superação da cultura do descarte e do consumo e que faz frente à globalização da indiferença. Essa conversão encontra suas raízes numa espiritualidade ecológica, que contempla a Criação como dom de Deus e vê nela um meio pelo qual o Criador se manifesta aos seres humanos. A conversão ecológica nasce da contemplação da Criação e da constatação das injustiças que se comentem em nome do progresso (desmatamentos, queimadas, poluição etc) e da compreensão de que da preservação da natureza depende a vida de todo ser humano e outras criaturas; depende, aliás, a vida das gerações futuras.
Vale ressaltar, por fim, que quando se fala de Cuidado com a Criação não se quer colocar as criaturas no lugar de Deus, mas louvar o Senhor e Criador que manifesta seu amor e sua grandeza nesta Criação, buscando cuidar e preservar a Criação, tendo em que conta que “Deus viu tudo que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1, 31). Que nos seja possível uma vivência espiritual que se preocupe com a natureza e com as questões climáticas, bem como com a vida de tantos irmãos e irmãs que sofrem. Que nos seja possível uma luta cotidiana em benefício de uma ecológica integral e humana. Que possamos, então, ser dóceis ao Espírito Santo, pois a “obediência ao Espírito de amor muda radicalmente a atitude do homem: passa de “predador” a “cultivador” do jardim” (FRANCISCO, 2024).
Leonardo Henrique S. Agostinho, MSC