O FUNDADOR DOS MSC E O SANTO CURA D’ARS
Vinicius de Moraes, em sua canção: “Samba da Bênção”, disse: “A vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, passagem citada até pelo Papa Francisco na Encíclica Fratelli Tutti.
Padre Chevalier, num certo momento, passava pela experiência dos desencontros em sua vida e em seu tão sonhado projeto de fundar uma Congregação missionária. Vinha de uma experiência dolorosa, e para aumentar seus sofrimentos: um de seus mais importantes companheiros e esteio da nova fundação, padre Maugenest, havia sido transferido pelo Arcebispo de Bourges para outra missão. Tudo parecia desmoronar, e não podia ser diferente. Então, o fundador se perguntava se tal empreendimento missionário seria realmente uma obra de Deus ou uma fantasia de sua cabeça.
Foi justamente nessa época que um colega sacerdote o convida para uma peregrinação. Em julho de 1858, o piedoso fundador realizou a peregrinação com o fito de recomendar todos os seus planos a São Francisco Régis, um santo conhecido pelo grande ardor missionário, mesmo sem ter ido além mares. Em seguida, o padre Chevalier tinha o objetivo de visitar o Santuário de Nossa Senhora de Salete. “Havia tanta coisa a pedir, tanta a agradecer!” – dizia ele em suas “Notas”. De volta, quis ver o santo Cura d’Ars, a fim de consultá-lo acerca da sua fundação e solicitar suas orações, afinal vivia tempos de profunda provação e sentia-se cansado e se questionando sobre o futuro da sua obra.
Recordar São João Vianney é recordar a comovente simplicidade de um padre cujo único e glorioso título é “O Cura de Ars”, o vigário da pequena aldeia francesa Arsen-Dombes. Servindo-se de um paradoxo profundamente cristão, em uníssono com uma palavra de São Francisco, ele dizia aos seus paroquianos: “Nós devemos nutrir um grande amor por todos os homens, pelos bons e pelos maus. Quem tem o amor não pode dizer que alguém faça o mal, porque o amor perdoa tudo”. Esse foi seu segredo e é esse segredo que ele passa a quem é cristão: ser rigoroso com o pecado, nunca com o pecador. O padre João Maria Vianney fazia do Confessionário sua sala de acolhimento, normalmente passava 16 horas por dia atendendo confissões e não cansava de dizer: “O amor vale mais do que o temor. Há os que amam o bom Deus, mas cheios de temor. Não é assim que se deve proceder. Deus é bom. Ele conhece nossas misérias: é preciso que nós o amemos, é preciso que nós queiramos fazer tudo para agradá-lo”.
Era dia 14 de julho, o padre Chevalier chega a Ars e à casa do famoso Cura. Padre João Vianney se encontrava muito enfermo. O visitante bate à porta da humilde residência. Sai um homem, com certo mal humor, abre a porta e pede que ele não insista, pois são muitos os que vêm a procura do padre Vianney e que já estavam atrapalhando sua saúde tão frágil. A porta se fecha bruscamente, mesmo antes do padre Júlio ver o rosto do tão buscado padre Vianney. Triste e cabisbaixo pega o caminho de volta, mas de repente, ouve a voz daquele mesmo padre mal humorado o chamando de volta e, agora gentil, dizendo-lhe que o padre Vianney iria recebê-lo. O que houve que fez o porteiro mudar tão rápido de ideia? Provavelmente fora suavemente repreendido pelo Cura d’Ars que escutara de longe a conversa.
Padre Chevalier está feliz em poder, frente a frente, conversar por algumas horas com aquele homem realmente santo. Temos poucas informações sobre esse diálogo. Mas sabemos que falou de si e de sua obra, inclusive dos obstáculos e provações pelos quais passava a Congregação em gérmen.
Em seu coração, padre Chevalier observava cada gesto e palavra do santo Cura. Pois, em síntese, os dois tinham muito em comum. Entraram no seminário já com mais idade; não eram brilhantes intelectuais, eram párocos em lugares tão simples. Issoudun não era tão diferente de Ars. Ambas as cidadezinhas eram marcadas pela indiferença religiosa, frieza espiritual, contaminadas pela influência do Jansenismo. Pregavam um Deus que é amor, que se fez próximo de nós no Coração do Verbo que se fez carne e que tem compaixão pelos que sofrem e pelos pecadores. Tinham uma grande devoção a Nossa Senhora e a ela recorriam nos momentos mais desafiadores. Os dois simples padres, cada um a seu modo, desafiaram o racionalismo francês do século XIX, com uma proposta de um Deus amor e cordial.
O santo Cura ouviu-o com particular interesse. Com voz rouca e fraca devido à grave enfermidade, o santo olha para o fundador e lhe diz: “Esta obra é obra de obras … O Inferno usará todos os seus recursos para destruí-la, já que é chamada a salvar muitas almas. Mas não temas. O Sagrado Coração de Jesus intervirá. A Virgem fará tudo nesta Congregação.” Depois, dando a sua bênção, disse-lhe: “O Céu irá abençoar a vossa obra, mas só depois de muitas provas. Tende coragem e confiança”. Por fim, lhe perguntou: “Quando chegareis a Issoudun?” Dia 26 de Julho, meu Padre, respondeu-lhe Chevalier. Então, o santo Cura d’Ars lhe diz: “Pois bem! Dia 26 de Julho, começaremos uma novena; uni-vos a nós com vosso colega, e o Sagrado Coração vos protegerá.”
Padre Chevalier, agradecido e muito feliz, retorna daquele encontro com o coração muito diferente. Segundo o testemunho de seu confrade, o padre Piperon, ele era outra pessoa. Estava consolado e disposto a entregar, como sugeriu o santo, tudo nas mãos providentes e misericordiosas de Deus e sob a proteção da bem aventurada Virgem Maria.
Alguns dias após o seu regresso, os jornais anunciavam o passamento do bem-aventurado João Maria Vianney, o que fez o padre Chevalier exclamar: “O santo Cura d’Ars continua no céu sua novena em favor de nossa obra: ele será nosso protetor.”
Uma profecia que foi totalmente cumprida. Além disso, é ela – Nossa Senhora do Sagrado Coração – quem sempre precede os Missionários do Sagrado Coração a todos os lugares aonde vão em seu trabalho apostólico. Que se tratava da obra de Deus, ficou claro com a aprovação definitiva da Congregação, apesar de todas as dificuldades, pela Santa Sé, em 20 de junho de 1874, vinte anos após a sua fundação.
Pe. Benedito Ângelo Cortez, MSC