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Nossa Senhora do Sagrado Coração

Seria impossível falar da herança carismática deixada pelo Pe. Chevalier, à luz da sua experiência com o Coração de Jesus, sem citar sua devoção à Virgem Maria, a quem ele deu o título de Nossa Senhora do Sagrado Coração. Várias passagens da sua vida, falam de seu perfil mariano, que marcará profundamente sua caminhada pessoal e futuramente a obra que estava para fundar na Igreja.

Essa sua devoção por Maria, pode também ser explicada pelo fato de que a devoção mariana na piedade popular era vivida intensamente na França de sua época. Segundo J. Tostain, MSC “o Padre Chevalier tinha uma grande devoção à Santíssima Virgem, como todo o clero do século XIX e, em geral, todo o povo cristão da época (o que Nossa Senhora também conhecia, pois o século XIX foi a época das grandes aparições: 1830, Rue du Bac; 1846, La Salette; Lourdes em 1858; Pontmain em 1871; Pellevoisin em 1876). Supõe-se que Júlio havia sido consagrado à Virgem Maria por sua mãe no dia de seu batismo. E, pela formação recebida dos sulpicianos, ele preservara uma grande devoção ao Imaculado Coração de Maria. Em todas as suas orações, Maria estava presente. Ele a associou a todos os eventos de sua vida.” [i]

É interessante destacar, que o título de Nossa Senhora do Sagrado, segundo os estudiosos da vida de Chevalier, deve ser lido da direita para a esquerda, ou seja, levando-se em conta que trata-se de um título mariano cristocêntrico, onde o centro do título e também da imagem que o representa, será o Coração de Jesus, apontado por Maria como fonte e origem de tudo: “é obvio que na mente de Chevalier havia somente uma devoção central: a Devoção ao Sagrado Coração de Jesus. No entanto, para ele, a Virgem Maria estava inseparavelmente relacionada com o Sagrado Coração de seu Filho. Todas as graças, incluídas as graças de estender a Devoção ao Sagrado Coração, vinham do Sagrado Coração através de Nossa Senhora. Para Chevalier, Nossa Senhora era a primeira Missionária do Amor do Sagrado Coração, e a Missionária do Sagrado Coração par excellence. […] A devoção à Nossa Senhora do Sagrado Coração torna-se parte essencial da Devoção ao Sagrado Coração, e um elemento vital do carisma de Chevalier será viver e estender essa devoção.”[ii]

[i] TOSTAIN, MSC. Jean. El Padre Julio Chevalier ¿Quién es Él ¿?  Maison Provinciale MSC. Paris, s/d. (Tradução nossa)

[ii] KAWKMAN, MSC. Hans. O Carisma de Júlio Chevalier e a Identidade da Família Chevalier; um itinerário para a Espiritualidade do Coração. Belo Horizonte: O Lutador, 2015, p. 128.

Como mencionamos anteriormente, este título dado à Virgem Maria, além dessa razão de fundo, que revela o projeto de Chevalier de promover de todos os modos que estivessem ao seu alcance a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, como remédio para os males de seu tempo, surge também do seu desejo de cumprir a promessa feita à Virgem Maria, por ocasião da fundação da Congregação dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus (MSC). Esta promessa foi feita durante os anos de 1854 – 1855, quando Pe. Chevalier e Pe. Maugenest recorreram à Maria, realizando ao menos duas novenas (talvez uma terceira), pedindo a ela um sinal que os assegurasse que, de fato, esta obra seria vontade de Deus. A primeira novena foi realizada em comunhão com toda Igreja que se preparava para a solene proclamação do dogma da Imaculada Conceição.

Nosso confrade Bovernmars, relata de maneira precisa este fato especial: “neste dia 08/12/1854, terminava também a primeira novena que ele e Pe. Maugenest fizeram, pedindo um sinal a Virgem Maria para confirmar seu desejo de fundar a congregação dos MSC. Após a missa solene, “os dois foram informados pelo paroquiano Auguste Petit, em nome do Sr. Philippe de Bengy, de que uma pessoa caridosa, que desejava permanecer no anonimato, ia doar 20 mil francos para a fundação de uma piedosa obra no Berry. Nesta promessa de ajuda financeira reconheceram os dois padres a resposta da Imaculada Virgem a suas fervorosas orações.” […] Contudo, essa quantia não era suficiente para mantê-los. Sobretudo diante da oposição dos membros do conselho diocesano. Iniciaram então uma segunda novena que começou no dia 28 de janeiro (festa do Imaculado Coração de Maria) até 6 de fevereiro. E suas orações voltaram a ser escutadas. A Sra. Du Quesne, se comprometeu a doar anualmente mil francos. Mesmo assim, o conselho arquidiocesano, rechaçou unanimemente o projeto que os padres estavam apresentando. Então, recorreram uma terceira vez à proteção de Nossa Senhora, embora não se mencione que tenham feita novena, e segundo Pe. Chevalier, ela realizou seu “grande milagre”. Apesar de os membros do conselho não mudarem de ideia e o arcebispo, o Cardeal Dupont nunca agir em desacordo com seu conselho, desta vez, fez uma exceção e autorizou aos dois vigários de Issoudun fundar a Congregação. A ajuda recebida de Nossa Senhora durante este período crítico de sua vida trouxe uma profunda experiência para o Fundador. Viu como uma prova de que a fundação da Congregação dos MSC era vontade de Deus, e que Nossa Senhora estava com ele neste projeto. De fato, em uma versão do ‘Contrato entre Maria e os dois sacerdotes do Sagrado Coração’, Artigo III, os dois fundadores prometem: ‘Em reconhecimento a Maria, a considerarão como sua Fundadora e Soberana. A associaram a todas suas obras e farão se seja amada de uma forma especial’ (J. Chevalier, Anales de la pequena Sociedad, p.6, Art. III. Citado p. 18, pelo autor).” [i]

Como visto, a promessa foi feita e os sinais recebidos. Agora era momento de cumpri a promessa. Segundo testemunho do próprio fundador, ele já trazia esse título em seu coração desde 12 de setembro de 1855, quando os jovens sacerdotes receberam oficialmente o nome de Missionários do Sagrado Coração. Contudo, só se tornará público quase dois anos mais tarde, por volta do fim de maio ou princípio de junho de 1857. Após revelar o novo título aos seus companheiros, segundo seu fiel companheiro, Pe. Piperon,[ii] ele próprio explica o seu significado, resumindo-o em 4 pontos:

  1. Por este título, damos graças e glorificamos a Deus por ter escolhido Maria para formar o Sagrado Coração de Jesus. O texto se refere a formação física do Coração de Jesus como base para posteriores relações;
  2. Honramos os sentimentos que Jesus teve para com sua Mãe em seu Coração. A relação de amor entre Jesus e Maria é mútua.
  3. Honramos o poder que Jesus lhe deu sobre o seu Coração;
  4. Pedimos a Maria que nos guie até o Coração de Jesus como fonte de vida.

Em 1865, Pe. Piperon menciona mais dois pontos[iii], que segundo ele foram também mencionados pelo padre Fundador no folheto Notice sur l’Associotion de Notre-Dame du Sacré-Couer. São os seguintes:

  1. Reparar com NSSC e através dela os ultrajes cometidos contra o Sagrado Coração de Jesus, e consolar sua dor e amargura através de uma vida mais edificante;
  2. Confiar a NSSC a solução de todas as dificuldades, casos extremos e desesperados, tanto em ordem espiritual como temporal.

Depois de dar a conhecer a seus companheiros o novo título, o povo também tomou conhecimento da nova devoção. Isso se deu, no dia 07 de junho de 1861, quando a primeira representação da imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração apareceu na igreja que Pe. Chevalier estava construindo, sob a forma de um vitral, colocado sob o altar dedicado a Nossa Senhora. Contudo, este título não nasceu de forma apressada ou como fruto de uma repentina inspiração. Ao contrário, foi forjado por anos em seu coração: “o padre Piperon explica que o padre Chevalier, depois de ter tido a intuição do nome “Nossa Senhora do Sagrado Coração”, esperou dois anos antes de conversar sobre o assunto com seus companheiros e mais dois anos antes de divulgá-lo ao público (1859). Então, quatro anos ao todo. E disse que esse longo atraso foi solicitado pelo P. Chevalier para estudá-lo a fundo de acordo com a Sagrada Escritura e a Tradição e para garantir que esse título correspondesse à doutrina da Igreja. Somente quando estava seguro, tornou esse segredo tão querido ao seu coração, conhecido por todos. Desse longo trabalho de meditação na oração, foi escrito um livro volumoso: “Notre-Dame du Sacré-Cœur d’après l’Ecriture Sainte, les Saints Pères et la Théologie”. “Foi, diz o padre Piperon, um monumento da ciência e da erudição católica.” Houve cinco edições sucessivas que foram vendidas rapidamente”.[iv]

[i] BOVERNMARS, MSC. J. G. Nuestra Señora del Sagrado Corazón. CASAL GENERAL MSC, 1997. (Tradução nossa).

[ii] UM MISSIONNAIRE DU SACRÉ-COEUR (= Ch. Piperon), Pouvoir de Notre-Dame du Sacré-Couer Prouvé par des Faits. 1 ed., Issoudun, 1865.

[iii] BOVERNMARS, MSC. J. G. Nuestra Señora del Sagrado Corazón. CASAL GENERAL MSC, 1997.

[iv] TOSTAIN, op. cit. (Tradução nossa).

Nesta primeira representação, a Virgem aparece de pé, como na imagem da Medalha Milagrosa, mas com a particularidade que o Menino Jesus está diante dela, também de pé, aos doze anos de idade. Jesus aponta com a mão esquerda seu coração e indica com a direita para sua Mãe, enquanto ela abre braços, como se desejasse abraçar entre eles, em um único abraço, seu Filho e, Nele, o toda a humanidade. O mesmo modelo, em mármore branco, presidirá o altar da capela dedicado a Nossa Senhora na Basílica que estava sendo construída. Esta imagem foi solenemente coroada, em nome do Santo Padre, o Papa Pio IX, 8 de setembro de 1869. Vinte mil peregrinos chegaram a Issoudun para participar da festa. Com eles estavam 30 bispos e cerca de setecentos padres. A devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração se espalhou rapidamente.

Contudo, tudo indica que pessoas desejosas por se apropriarem da nova devoção, apresentaram em Roma um novo modelo de imagem e para que seu intento fosse aprovado, sustentavam que a imagem venerada em Issoudun dava a ideia de um poder absoluto de Maria sobre Jesus. Pe. Chevalier imediatamente buscou esclarecer o real significado da devoção, cuja imagem já havia sido inclusive coroada solenemente na presença de um delegado pontifício. Contudo, a essa altura uma segunda imagem já havia sido aprovada e já se espalhava. Contudo, esse modelo não estava de acordo com o pensamento original do fundador[i]. Então, se buscou um outro modelo que dissipasse as dúvidas teológicas e ao mesmo tempo se mantivesse fiel à inspiração original. É esta terceira imagem, que conhecemos hoje, onde se representa a Virgem segurando o Filho nos braços e gentilmente apontando com uma das mãos seu coração. O Menino aponta com a mão esquerda para o seu divino Coração e com a direito nos remete à sua Mãe.

Também se representa este título, de uma quarta forma, com a imagem de Jesus, pregado na cruz, e a seu lado, numa atitude de cooperação e entrega, em pé, encontra-se sua Mãe. Um desses modelos é encontrado na Basílica de Issoudun. Atualmente, o processo de inculturação fez com que as imagens de Nossa Senhora do Sagrado Coração, preservando o essencial, apresentassem uma gama muito diversificada de formas e cores. Em cada local do mundo, ela apresentará as características culturais do lugar.

[i] “Nesse novo modelo (segunda imagem), a Virgem era representada com o menino nos braços. Por sua vez, o menino estava com os braços abertos, querendo abraçar o mundo. Foram feitas muitas imagens deste segundo modelo que se espalhou rapidamente. Até hoje, esse modelo é encontrado em alguns lugares. O Pe. Dehon, Fundador da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração (SCJ), ou Dehonianos, fez sua primeira profissão religiosa diante de Nossa Senhora do Sagrado Coração, segundo esse segundo modelo. O motivo principal deste gesto do Pe. Dehon é muito simples de ser explicado. A Congregação dos Missionários do Sagrado Coração acolheu nas suas fileiras, o Pe. João Captier. Muito devoto de Nossa Senhora do Sagrado Coração, possivelmente, foi o autor da oração, “Lembrai-vos”. Deixando a Congregação entra na nascente Congregação dos Oblatos do Sagrado Coração, fundada pelo Pe. Dehon, também de nacionalidade francesa. Sendo assim, o Pe. João Captier introduziu a oração do “Lembrai-vos” na Congregação do Pe. Dehon. A partir de então, o Pe. Dehon se tornou devoto de Nossa Senhora do Sagrado Coração”. (BERTASI, J.R, In: Revista Anais de Nossa Senhora do Sagrado Coração, ano LXIII 2000 nº 3 p.4)

A devoção se espalhou rapidamente por toda a França e vários outros países[i]. Reproduções da imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração foram enviadas para as diferentes dioceses. Em 1862 foi preparado um pequeno opúsculo intitulado, Nossa Senhora do Sagrado Coração. Este pequeno opúsculo muito contribuiu para a difusão da devoção, pois explicava a origem do título. Além disso, o número de março de 1963, do Mensageiro do Sagrado Coração, publicado pelos padres Jesuítas, com a devida autorização do Pe. Chevalier colocou em destaque este opúsculo. Nunca é tarde dizer que o Pe. Ramière, diretor do Mensageiro do S. C., converteu-se, assim, num grande propagandista da nova devoção.

Chegavam cartas narrando graças obtidas por sua intercessão e pedidos de inscrição em sua Confraria. Todavia, não existia, ainda, a Confraria! Os Missionários do Sagrado Coração chegaram, assim, a conclusões evidentes. Trabalhariam na difusão da devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração para a criação da Confraria do mesmo nome. A iniciativa da fundação da Confraria foi estimulada pelo Arcebispo de Bourges, Dom de La Tour d´Auvergne. Em janeiro de 1864, o Pe. Carlos Piperon começa a redigir os Estatutos da Confraria que foram aprovados em 29 de janeiro de 1864.

O crescimento foi espantoso: dezembro de 1864: 100.000 membros; dezembro de 1866: 600.000 membros; dezembro de 1867: 1.500.000 de membros; junho de 1868: 2.000.000 de membros, 1.719.906 de pedidos de orações e 17.300 cartas de ação de graças. Em 1882, os Anais registravam 14.690.000 de membros. Em 1891, mais de 18 milhões! No dia 2 de julho de 1864, a Igreja do Sagrado Coração foi consagrada solenemente pelo Arcebispo de Tours, Dom Guibert que, logo depois, foi nomeado Cardeal Arcebispo de Paris. Quinze anos mais tarde, a Confraria era estabelecida, em Roma, sendo erigida solenemente em Arquiconfraria Universal, por decreto do Papa Leão XIII. O Santo Padre escreveu uma carta de congratulação ao Pe. Chevalier.

Tanto o Papa Leão XIII, como seus sucessores, incentivaram a nova devoção mariana, de diferentes maneiras[ii]. Queremos recordar as palavras do Papa são Pio X que, antes de ser eleito Papa, foi Presidente da Confraria de Nossa Senhora do Sagrado Coração de Treviso: “A devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração é a mais oportuna para os tempos presentes”. Em setembro de 1925, o Papa Pio XI aprovou a Missa e o Ofício próprios a pedido dos Missionários do Sagrado Coração e da Arquiconfraria de Nossa Senhora do Sagrado Coração. A sede central da Arquiconfraria encontra-se em Roma, na Piazza Navona, no Santuário dedicado a Nossa Senhora do Sagrado Coração (antiga Igreja de “São Tiago dos espanhóis”), sob os cuidados dos Missionários do Sagrado Coração.

A sede da Arquiconfraria de Nossa Senhora do Sagrado Coração, no Brasil, encontra-se na cidade de São Paulo, no bairro de Vila Formosa.  A finalidade da Arquiconfraria é ajudar os associados a louvar, implorar e imitar Nossa Senhora do Sagrado Coração, a fim de viverem mais fielmente sua vida cristã. Os associados rezarão, todos os dias, a oração do “Lembrai-vos” por intenção de todos os membros da Arquiconfraria, seguindo a lógica de que “Cada um reza pelas intenções de todos”. Na Basílica de Nossa Senhora do Sagrado Coração, em Issoudun, é celebrada, todos os dias, uma missa pelas intenções dos Associados. No último Domingo do mês, durante a missa de encerramento da Novena, em Vila Formosa, os associados são lembrados de maneira especial.  As duas Congregações fundadas pelo Pe. Júlio Chevalier (MSC e FDNSC), rezam diariamente por todos os membros da Arquiconfraria.

[i] Cf. Vários artigos publicados mensalmente por BERTASI, MSC. J.R, In: Revista Anais de Nossa Senhora do Sagrado Coração, ano LXIII 2000 até LXVI 2003.

[ii] Exemplo desse apreço dos sumos pontífices por esta devoção à Virgem Maria, foram as oito vezes que a imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração recebeu solenemente a coroação papal, ou seja, foi coroada por um delegado pontifício: a primeira em Issoudun (França), no dia 08/09/1869, o arcebispo de Bourges, Dom de La Tour d´Auvergne, foi o delegado do Papa Pio IX; a segunda em Sittard (Holanda) no dia 11 de dezembro de 1873, pelo bispo de Roermond, em nome do Santo Padre Pio IX; a terceira em Innsbruck (Áustria), tendo como delegado do Papa Pio IX, o bispo de Brixen, no dia 24 de outubro de 1874; a quarta em Averbode (Bélgica),  a 21 de agosto de 1910, presidida pelo Cardeal Mercier em nome do Papa Pio X; a quinta  em Barcelona (Espanha), 5 de dezembro de 1943, pelo bispo de Barcelona, Dom Modrego, em nome do Papa Pio XII; a sexta na cidade do México, a 26 de setembro de 1948, por Dom Luís Maria Martinez, Arcebispo do México, delegado pelo Papa Pio XII; a sétima em São Paulo, no dia 08 de dezembro de 1954, tendo como delegado do Papa Pio XII, o Cardeal Motta, arcebispo de São Paulo e alguns dias depois a oitava coroação ocorrida em Roma, a 12 de dezembro de 1954, pelo o cardeal Micara, delegado do Papa Pio XII. As duas últimas celebrando o primeiro centenário da Congregação dos MSC.

Como filho de seu tempo, Júlio Chevalier usará das categorias de então e se embasará na reflexão teológica que se fazia. Em seus muitos artigos e livros, ele enfatizará o papel de Maria como intercessora. Na sua concepção, o Sagrado Coração de Jesus é o grande Tesouro que possuímos, a fonte de graças, cuja chave se encontra em poder de Nossa Senhora. Dirá ele: “Quem virá abrir esse Divino Coração, com suas súplicas eficazes? Maria! Ela tem a chave para abrir esse tesouro[i]. Ela a chamará por diversas vezes de Tesoureira do Coração de Jesus e de Esperança dos desesperados[ii]. Chevalier fará sua, uma expressão já em uso na época: “Per Mariam ad Cor Jesu”.

Com a renovação Conciliar, promovida pelo Vaticano II, também a mariologia pede um novo olhar. O título de Nossa Senhora do Sagrado, fala sobretudo do mistério da relação e comunhão que há entre o Filho e a Virgem Maria. Relação que segundo Bovernmars passa pela maternidade, mas também que remete a um modelo: a relação entre a nova Eva e o novo Adão. Para este autor, “através de Maria tornou-se possível que Jesus se fizesse encarnação do amor divino. Além disso, Maria teve um papel importante no desenvolvimento de Jesus como pessoa, em sua epifania, em sua obra de redenção, em sua obediência, em seu sacrifício, em sua glória. Ela está eminentemente qualificada para conduzir-nos a uma relação mais profunda com o Senhor: a relação que implica ser discípulo, a relação de amor, de associação, de missão”.[iii]

Na mesma linha de reflexão, Ir. Meire Salazar, FDNSC, afirma que “para nós, […], proponho que olhemos Nossa Senhora do Sagrado Coração, antes de tudo, mais como Mãe-Discípula do que como intercessora-dispensadora de graças. […] Uma visão assim nos ajudará, creio eu, a passar de uma devoção a uma espiritualidade; do simples rezar nossas devoções ao viver de verdade nossa espiritualidade, a espiritualidade do coração. o objetivo motivador de nossa espiritualidade permanece sendo o vínculo indissolúvel de amor entre Jesus e Maria, amor que encontra sua plena expressão no Coração da Palavra Encarnada; amor que foi compartilhado conosco e que somos chamados a encarnar aqui e agora”.[iv]

Concluindo, queremos citar Yves Congar (1904-1995), teólogo dominicano e cardeal francês, precursor e consultor no Concílio Vaticano II, um dos maiores eclesiólogos da Igreja, que fez notar que Issoudun “é o único lugar de peregrinação do mundo onde a virgem, não apareceu e não fez os milagres característicos de toda aparição”, destacando assim que a popularidade da devoção a Nossa Senhora do Sagrado e de seu centro de peregrinação desta pequena cidade francesa é fruto de uma preocupação pastoral e de uma reflexão teológica e isto torna ainda mais extraordinária a grande atração do título.

Pe. Lucemir Alves Ribeiro, MSC

[i] CHEVALIER, Julio. Notre Dame du Sacré Couer. Issoudun, 1895, p. 240.

[ii] Segundo BOVERNMARS, “naqueles anos, de modo particular, encontram-se muitas referências a um texto de Santo Éfrem: Não importa se a dificuldade parece insuperável!… Essa é exatamente a razão pela qual Nossa Senhora condescenderá em superá-la, caso tu o permitas. Não sabes que ela é a esperança daqueles de quem não esperamos (spes desperandorum), a esperança dos desesperados (spes desperantium) e, por fim, a esperança dos que, nesta terra, já não têm nenhuma esperança (spes desperatorum)? (Santo Efrém, Orat. IV ad Deiparam).”  (Espiritualidade do Coração. In: VV.AA. A Espiritualidade do Coração. São Paulo: Loyola, 1988, p.130)

[iii] Ibidem, p. 131.

[iv] Citado por KAWKMAN, op. cit., p. 135.

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