Ano Litúrgico, um processo de santificação
A Igreja “revela o mistério de Cristo no decorrer do ano, desde a encarnação e nascimento até a ascensão, ao pentecostes, à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor” (SC, 102), isso ela o faz por meio e através da Liturgia, nas Missas semanais e dominicais e pela recitação das Horas. Sobre a nomenclatura Ano Litúrgico sabe-se que já foi denominado “Ano da Igreja” e “Ano Cristão”, contudo, foi um monge, Dom Próspero Guéranger, que usou em sua obra este termo, fazendo-o familiar, e mais tarde o papa Pio XII incorpora a expressão ao magistério, utilizando-a na encíclica Mediator Dei. O termo aparece na Sacrosanctum Concilium e nos documentos da reforma litúrgica do Vaticano II.
Segundo Julián Martín, “o ano litúrgico é um espaço de graça e de salvação, continuação do ano jubilar bíblico perpetuado por Jesus”, pois é nele que se celebra os mistérios de Cristo, ou seja, a ação de Deus na história, no tempo e no espaço. Afirma o Vaticano II que “Cristo está sempre presente em sua Igreja, e especialmente nas ações litúrgicas (…). A liturgia é considerada como exercício da função sacerdotal de Cristo. Ela simboliza através de sinais sensíveis e visíveis e realiza em modo próprio a cada um a santificação dos seres humanos” (SC, 07). Por trás das ações litúrgicas, portanto, está o processo de santificação, operado por Cristo, através da Igreja na vida de cada fiel.
Isso ocorre porque a estrutura litúrgica é mistagógica, ou seja, inicia os batizados na vida cristã, conduzindo-os ao seguimento de Jesus Cristo, levando-os a fazerem em suas vidas o que Ele fez. Deste modo, através do Ano Litúrgico, celebrando os mistérios de Cristo na Liturgia, os fiéis fazem um processo catequético e são chamados à conversão. É por isso que o Ano Litúrgico tem importância e implicância pastoral, uma vez que ele não está alheio à vida das pessoas, mas as evolve.
O Ano Litúrgico começa com o Tempo do Advento e termina na semana que segue o Domingo de Cristo Rei, “cada ano litúrgico é uma nova oportunidade de graça e de presença do Senhor da história, que é o mesmo ontem, hoje e pelos séculos, no grande símbolo da vida que é o ano” (Martín). Encerrando o Ano Litúrgico a Igreja propõe a leituras de trechos apocalípticos, tanto na primeira leitura quanto no Evangelho, esses excertos falam sempre de destruição, de morte, colheita e expressões que demonstrem a finitude. Contudo, o fim do qual se fala nessas leituras não é o fim do mundo, mas o fim de uma sociedade injusta e desigual. Fala-se de fim para poder evocar um começo, uma vida nova, uma possibilidade de mudança, pois Deus não destruirá este mundo, mas o conduzirá à transformação e transfiguração.
A celebração de Cristo Rei, no último domingo do Ano Litúrgico, evidencia o projeto de Jesus, que é fazer presente, na vida das pessoas, o Reino de Deus. O salmo 71, que fala do poder régio do Messias, diz: “Nos seus dias a justiça florirá e grande paz até que a lua perca o brilho” e “haverá grande fartura sobre a terra” (v. 7 e 16). Deste modo, justiça e paz não podem ser apenas palavras que aparecem e são ditas na liturgia, mas devem ser vivenciadas por aqueles que seguem Jesus Cristo, para que iluminem a sociedade, a fim que esta seja justa e pacificada, pois, como escreve o papa Francisco: “A Celebração Litúrgica nos liberta da prisão da autorreferencialidade” e “A Liturgia não diz ‘eu’, mas ‘nós’, e qualquer limitação da amplitude desse ‘nós’ é sempre demoníaca” (DD, 19).
Deste modo, deve-se estar atento à inter-relação que há entre a vida e os mistérios celebrados na liturgia, pois aquela é iluminada e transformada por estes. Que o Ano Litúrgico não seja apenas um termo, mas um contínuo processo de santificação. Para que isso seja possível é preciso acolher aquilo que foi expresso por Francisco ao escrever: “é-nos pedido redescobrir, a cada dia, a beleza da verdade da celebração cristã” (DD, 21). Por fim, o bispo de Roma adverte: “No fundo, a santidade é viver em união com Ele os mistérios da sua vida” (GE, 20).
Leonardo Henrique Agostinho, MSC