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Artigos › 23/06/2021

A ESPIRITUALIDADE DO CORAÇÃO

Por Luis Oliveira Freitas

Ao ler o livro “O carisma de Júlio Chevalier e a identidade da Família Chevalier: um itinerário para a espiritualidade do Coração”, do padre Hans Kwakman, MSC, me surpreendi com o carisma e a espiritualidade da família Chevalier apresentados nessa obra. Confesso que há mais de trinta anos que conheço a Congregação dos Missionários do Sagrado Coração, mas ainda não havia parado para ler um escrito sobre essa espiritualidade, talvez por estar atrelado a um certo saudosismo de outros modos de vida cristã que experimentei no meu passado, ou talvez pelo fato de eu ser leigo, achava que não fosse possível viver tal espiritualidade. Os padres europeus, italianos e holandeses, com quem mais convivi, nunca me falaram que um leigo também poderia viver o carisma de sua congregação religiosa. Somente de algum tempo para cá, comecei a indagar os seminaristas da congregação, que são meus alunos na faculdade católica, e eles me falaram que aqui em São Luís é uma das poucas cidades onde os MSC estão presentes que não há a associação laical ligada à congregação. Alguns até me disseram que o grupo das senhoras amigas da Paróquia São Cristóvão procuravam conhecer um pouco sobre essa espiritualidade. Não dei muita importância à conversa porque logo pensei que meu objetivo era bem diferente do grupo daquelas senhoras.

No momento atual, lendo o livro supracitado, deparei-me com algo que me chamou a atenção à certa altura da leitura. O autor estabelece uma diferença entre duas expressões cujo campo semântico muitas vezes se confunde, apesar de apresentarem distinção significativa: a devoção ao Sagrado Coração e a espiritualidade do Coração. Isso me chamou à atenção porque sempre olhei para os movimentos voltados ao Coração de Jesus como grupos devocionistas com os quais não me identifico. Kwakman deixa claro que a “devoção ao Coração de Jesus” refere-se às práticas religiosas como os ritos, as insígnias, as orações, etc., enquanto que a “espiritualidade do Coração” é algo que ultrapassa os muros dos templos, pois tem a ver com um modo de vida, ou seja, viver em total sintonia com Jesus Cristo, seguindo sua palavra e suas ações.

Segundo o autor, essa expressão “espiritualidade do Coração” surgiu com Cuskelly ao revisitar os escritos do padre Júlio Chevalier. Importante observar que não é “espiritualidade do Coração de Jesus”, mas simplesmente “espiritualidade do Coração”, porque se reporta tanto ao Coração de Jesus como ao coração humano que também é capaz de carregar muitas coisas boas. Daí podemos afirmar que para viver essa espiritualidade, o ser humano precisa fazer a conversão do próprio coração, ou seja, converter-se a cada dia ao projeto de Jesus e assim vai se transformando tanto no seu aspecto interior como exterior.

Essa expressão “espiritualidade do Coração” suscitou em mim alguns questionamentos: 1) Em que consiste de fato essa espiritualidade do coração em pleno século XXI, quando ao mesmo tempo que temos uma tecnologia avançada também nos deparamos com questões de pandemia que achávamos que era coisa do passado? 2) Como o leigo católico pode viver a “espiritualidade do Coração” em uma Igreja clericalizada onde quase não se tem vez nas decisões mais importantes? Como proceder essa conversão em uma sociedade como a brasileira cheia de polarizações políticas e religiosas?

Penso que como cristão na condição de leigo, devo, em primeiro lugar, converter-me ao projeto de Jesus Cristo, que nos amou sem medida, sem olhar nossa fraqueza humana. Ele próprio se encarnou no meio da humanidade fazendo-se um de nós a fim de nos resgatar do pecado e do mal. Diante dessa certeza, tenho que ler e meditar o Evangelho todos os dias e fazer minha oração pessoal a partir da mensagem meditada. Mas isso ainda é pouco, é preciso dar mais um passo, que consiste em fazer bem todas as coisas dos pequenos aos grandes atos. Tenho que estar a serviço dos irmãos me tornando próximo de quem está precisando mais, assim como fez o samaritano da parábola contada por Jesus.

Creio que é essa segunda parte a que mais me questiona. Nesses últimos treze meses, vivemos assolados por uma pandemia que já ceifou muitas vidas e, como se não bastasse, temos um governo que pouco age para pelo menos amenizar a situação, pois está mais preocupado com o mercado financeiro do que propriamente com a vida dos brasileiros. Como agir num momento como esse, em que temos medo até de sair na rua? Confesso que fica a angústia, mas, por outro lado, não posso ficar o tempo todo martelando esses problemas, porque se assim o fizer, vou acabar piorando a minha ansiedade que, ano passado, beirou à depressão.

De qualquer forma, o termo “espiritualidade do Coração” me impactou bastante e com certeza irá trazer belas reflexões, além de também ajudar na minha conversão do coração, que é um processo diário e constante.

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