A Espiritualidade Cristã e o Cuidado com a Criação
No ano de 2015 o papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si’ e desde então, todos os anos, no dia primeiro de setembro celebra-se na Igreja Católica o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação. A data foi escolhida tendo em vista que desde 1989, na Igreja Ortodoxa, este dia é dedicado à Proteção do Meio Ambiente. Percebe-se, pois, que as duas Igrejas, Católica e Ortodoxa, se unem no objetivo de salvaguardar a Criação. Contudo, também outras Igrejas aderiram à proposta e atualmente ocorre entre o dia primeiro de setembro e 4 de outubro o Tempo da Criação, no qual os cristãos se unem para rezar, meditar e apresentar propostas concretas para a preservação do planeta. Em 2021 Francisco, Bartolomeu I e Justin Welby assinaram uma mensagem afirmando que “todos nós — quem quer que seja e onde quer que nos encontremos — podemos desempenhar um papel na modificação da nossa resposta coletiva à ameaça sem precedentes das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Cuidar da criação de Deus é um mandato espiritual, que exige uma resposta de compromisso”. Assim, o Tempo da Criação tem sido momento forte de ecumenismo e de progresso no itinerário de unidade entre os cristãos, que se unem por uma preocupação comum e dão testemunho da fé cristã, já que, segundo Francisco, as convicções da fé oferecem aos cristãos motivações importantes para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis” (LS 64).
Francisco, e também os líderes cristãos que se dedicam ao tema do Cuidado da Casa Comum, evidenciam o fato de que a fé não é alienante, mas leva a assumir compromissos diante do sofrimento alheio e a assumir o compromisso de cuidar da Criação. Deste modo, o cuidado com a criação perpassa outros cuidados, como, por exemplo, com a situação pessoas que vivem em áreas de risco e em áreas que se tornaram improdutivas. Nesse sentido, Francisco aponta para uma espiritualidade que, coerente com convicções da fé cristã, ofereça “motivações importantes para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis” (LS 64). Ou seja, uma espiritualidade que contemple a natureza e isso não quer dizer, de modo algum, de uma “divinização da terra”, mas trata-se de perceber a criação como o que ela é, ou seja, “um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado” (LS 76). Ainda mais, deve-se entender que “tudo é carícia de Deus” (LS 84) e que a criação “trata-se de uma contínua revelação do divino” (LS 85).
A espiritualidade que brota da contemplação da Criação não quer colocar no lugar de Deus as criaturas, mas louvar o Senhor que manifesta seu amor e sua grandeza na Criação. Da preservação da natureza depende a vida de muitos irmãos e irmãs; depende, aliás, a vida das gerações futuras. Não se deve pensar que há assuntos santos e outros profanos. Como escreve o papa: “Jesus vivia em plena harmonia com a criação […]. Não se apresentava como um asceta separado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida” (LS 98). Mais adiante, Francisco lembra que “a espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o que nos rodeia” (LS 216).
“Tudo está interligado” repete o papa diversas vezes na Laudato Si’. Partindo deste pressuposto o santo padre afirma que “a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa com si mesma, que gera um modo específico de se relacionar com os outros e com o meio ambiente” (LS 141). A ecologia integral, proposta por Francisco, tem uma perspectiva ampla, como ele mesmo afirma no número 159 da encíclica. Assim, o cuidado com a natureza, o cuidado com os pobres e os marginalizados, bem como com as futuras gerações estão conglomeradas nessa proposta. Esse cuidado, contudo, deve ser de superação do critério utilitarista, buscando superar o consumismo e o descarte, mas, ainda mais, buscando superar o estilo de vida irrefreável e insustentável que se projetou à custa da criação e dos marginalizados da História.
Por fim, no dia 4 de outubro, dia de São Francisco, “exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade” (LS 10), o Bispo de Roma tornará publica a segunda parte da Laudato Si, intitulada a Laudate Deum, na qual o papa aprofunda e propõe novos temas de Ecologia Integral. O Tempo da Criação e as propostas de Francisco, que manifestam seu cuidado para com o Planeta, motiva-nos para vivência de uma espiritualidade ecológica e de uma educação ecológica, que apontem outro estilo de vida e novos hábitos, que renovem a humanidade, para que não continue a perdurar “o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado” (LS 215).
Leonardo Henrique Agostinho, MSC